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Alexandre Lyra

Especialista em trabalho escravo nos conta as ações do governo para o combate ao trabalho análogo ao de escravo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

16/06/2015

Foto: Reprodução/Google

Muitas vezes não sabemos ao certo como funciona o trabalho dos órgãos públicos no combate ao trabalho escravo.

 

Por isso, o Chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (que até então ocupava o cargo no período da entrevista), Alexandre Lyra, se mostrou aberto para esclarecer nossas dúvidas a respeito da atuação do Ministério do Trabalho e Emprego.

 

Junte-se a miim e venha conhecer os detalhes das autuações que desmascaram as marcas de roupas em sua produção

Por que o Ministério decidiu criar uma área exclusiva para a inspeção do trabalho escravo e quando isso ocorreu?

 

Nós, agora no ano de 2015, mais conhecidamente no dia 15 de maio, completamos 20 anos de atuação e combate efetivo ao trabalho escravo. Foi quando a primeira equipe, no dia 15 de maio de 1995, foi a campo, no estado do Mato Grosso do Sul, para abordar carvoarias. Fizemos até um evento bem bacana, na semana de 13 de maio, aproveitando a data simbólica da abolição da escravatura e fizemos uma homenagem a esses auditores que lá atrás iniciaram. Por que o Brasil, o governo brasileiro, se viu obrigado a reconhecer a existência do trabalho escravo no nosso território. Teve uma denúncia, que é um caso chamado e considerado de Zé Pereira, que tinha um colega de trabalho que era o Paraná. Eles trabalhavam em uma fazendo no estado do Pará, em ambiente rural, alegavam que sofriam maus tratos, tortura, que era um trabalho desenvolvido com supressão de liberdade, com impedimento de ir e vir e todas essas ameaças, essas situações emocionais e físicas, mas que conseguiram fugir da fazenda. Na fuga, o Paraná foi vitimado fatalmente e o Zé Pereira conseguiu continuar a fuga e fez a denúncia para a Comissão Pastoral da Terra (CPT). 

A Comissão levou a situação às Cortes Interamericanas que denunciou o Brasil pela existência do trabalho escravo e por não fazer nada a respeito. E para não ser condenado, nessa Corte Interamericana, o governo brasileiro teve que reconhecer e implementar uma medida de combate. Daí foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, não necessariamente com essa denominação, mas para ficar mais atual a sigla. E ficou a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da auditoria fiscal do trabalho, da inspeção do trabalho para os auditores combater. E a gente iniciou essa caminhada. Hoje, nós temos, como falei, 20 anos de efetiva repressão. Não estamos só no meio rural, o trabalho escravo no setor têxtil sendo enfrentado é uma prova que o meio urbano também desenvolve. Ano passado tivemos resgate em navios de cruzeiro também, de uma grande empresa de MSC. Então, nós temos hoje, passados 20 anos, toda nossa história construída no meio rural. Mas a gente está preparado e vem atuando no meio urbano e marítimo também.​

Como as denúncias são chegadas até o Ministério?

 

A sociedade civil, a Comissão Pastoral da Terra. Mas o próprio trabalhador que se afere a essa condição de trabalho análogo à de escravo, ou alguém que saiba das unidades descentralizadas. Nós temos regência e gerência em cada regional do estado. Nós temos a Comissão Pastoral da Terra, mas é basicamente para o ambiente rural. Mas aí tem o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e agora tem o disque 100, que é da Secretaria de Direitos Humanos. Se você discar 100 vai cair em alguém que vai ouvir sua denúncia. São Paulo trabalha muito, tem muita denúncia. Acaba recebendo via Ministério Público do Trabalho. São Paulo colhe e captura muitas denúncias, mas eles também fazem um estudo.

 São Paulo consegue fazer um trabalho mais interessante, no sentido de que eles não partem de baixo pra cima. Exemplo: eu chego na fazenda da Ana e vejo porque a Ana vende, porque a Ana não vende. Não, eu vejo se eles já vão investigar a Zara. Olha, a Zara tá fazendo essa quantidade de roupas, mas pera aí. Onde está a confecção da Zara? Não, a Zara não tem costureira.

E como consegue chegar roupa até ela? Então faz um rastreamento de movimentação de mercadoria. em São Paulo, eles tem uma parceria com a Receita Federal que eles conseguem fazer isso, e aí quando eles decidem um alvo, eles já vão na ideia de abordar um alvo, de uma confecção dessa de ponta, que são 15 bolivianos, e chegam já procurando a etiqueta da Zara. Porque eles já tem indícios de que a Zara recebe produção dessa pequena confecção de ponta onde os bolivianos estão escravizados. Então a Zara, no máximo, tem uma costureira, que faz uma peça padrão, peça modelo, e aí replica essa informação pra ponta e a ponta vai produzindo pra Zara. O problema é que a ponta produz para a Zara uma peça que ela vende na média por R$150,00 e paga R$10,00 para o boliviano chefe e esse R$1,50 para o boliviano que tá na ponta sendo explorado. Então, quando a gente chega lá na ponta, que já fez o estudo, consegue localizar os ambientes onde as peças são produzidas e chega na ponta pra já fechar o elo - que vincula a grande marca aquele trabalhador daquela confecção.

 

Quais são os parceiros do Ministério do Trabalho e Emprego na fiscalização das condições análogas às de escravo? Qual o trabalho específico da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo? E os senhores trabalham em conjunto com o Grupo de Fiscalização Móvel?

 

Os nossos parceiros, sendo o mais fiel deles o Ministério Público do Trabalho, a polícia federal ou polícia rodoviária federal, as duas, uma ou outra nos acompanha. Em regra, nós temos o enfrentamento sob a responsabilidade, por exemplo, dessa Divisão que eu chefio, temos quatro equipes. A gente pega o mapa do Brasil, por intermédio de denúncias ou de inteligência fiscal, de planejamento e rastreamento, nós vamos a campo. Essas quatro equipes são veiculadas e subordinadas pela minha Divisão e minha pessoa. E o país todo faz o enfrentamento. Eu posso ter um auditor no Rio Grande do Sul e se ele deparar com a situação análoga de escravo, ele vai ter que agir. Ele tem preparo para isso, mesmo não fazendo parte dessa equipe veiculada diretamente aqui. Com essas equipes a gente tem essa mobilidade, de ir muito rápido e enfrentar essas situações. Mas de maneira descentralizada, os auditores fazem combate ao trabalho escravo. Tanto é que São Paulo faz por intermédio desse programa

desse projeto de combate ao trabalho escravo urbano, que é uma outra história mais recente. A partir de 2010 para 2011, após a CPI do trabalho análogo ao de escravo, que a turma de São Paulo entendeu que deveria constituir um projeto específico já dentro desse contexto de enfrentar o trabalho escravo há 15 anos - da gente já ser uma referência no combate ao trabalho escravo e agora nós já temos iniciativas. Por exemplo, Minas Gerais tem um combate ao trabalho escravo no meio urbano, o Rio de Janeiro instituiu o combate ao trabalho escravo urbano. Tem outras regionais que hora instituem o combate ao trabalho escravo rural, urbano ou marítimo. Mas essa Divisão aqui é responsável por monitorar todas essas iniciativas e o enfrentamento propriamente dito. Só que quando se tem as quatro equipes, diretamente eu dialogo: “vai para a direita, vai para a esquerda, vai para o norte, vai para o nordeste”, faz esse tipo de ação. E com as regionais nós dialogamos, mas elas tem um planejamento próprio. Eles que tem o primeiro contato com a denúncia ou com o ambiente. Nós 

coordenados também o Grupo Móvel, as quatro equipes. Quando nós decidimos uma localidade comunicamos o Ministério Público do Trabalho, federal ou polícia rodoviária federal, Defensoria Pública da União (DPU), Advocacia-Geral da União (AGU) e Ministério Público Federal (MPF). Mas é a gente que coordena e disponibiliza para aonde vai. Às vezes uma regional já sai para fazer o combate ao trabalho escravo. É possível que ela já saiba fazer o combate ao trabalho escravo. As vezes ela está fazendo um trabalho ordinário, se depara com uma situação análogo a de escravo, vai ter que agir. Vamos imaginar que a gente esteja em São Paulo, fazendo comércio, se entrar num ambiente que tem condição de trabalho escravo, a gente vai ter que autuar. Está fazendo um trabalho normal, mas entrou numa fazenda e viu lá um barraco de lona, onde eles estão em condições mínimas de ambiente, higiene e segurança, vai ter que autuar. Aí independe de eu dar esse . Ele sabe o que fazer e fazendo comunicam conosco, para produzir relatórios, procedimentos e a gente vai manter esse diálogo.

A sociedade civil é importante nesse fator do trabalho escravo?

 

A sociedade civil é fundamental, por que foi ela quem denunciou, né? A Comissão Pastoral da Terra foi fundamental por que denunciou e a Repórter Brasil, do Leonardo Sakamoto. Nós temos contato pessoal com ele e é fundamental porque fica alimentando a sociedade de informação, fica atualizando, porque se não dá a impressão de que o trabalho escravo ficou lá atrás. Na verdade, o trabalho escravo, propriamente dito, ele foi abolido em 13 de maio de 1888. O que a gente tá falando hoje é de um trabalho em condições similares, é o trabalho análogo a de escravo. Ele se parece no que diz respeito aquele ambiente, aqueles direitos que o empregado tem. A diferença é que hoje o estado não reconhece aquela ausência. Se lá, em 1888, o estado reconhecia aquele ser como posse, como propriedade de outro, hoje reconhece que isso possa acontecer. Muito pelo contrário, ele atua. E as situações hoje estão muito mais relacionadas ao meio ambiente do trabalho

O problema é que a ponta produz para a Zara uma peça que ela vende na média por R$150,00 e paga R$10,00 para o boliviano chefe e esse R$1,50 para o boliviano que tá na ponta sendo explorado

 

Se um empregado não é propriedade do empregador, o meio ambiente que é disponibilizado a ele, remete muito aqueles tempos.De você dormir mal, de você não ter uma condição interessante de higiene, segurança do trabalhador, você ser desprezível, no sentido de que se tenho você posso ter outro. Embora naquela época você via os mais fortes que tinham condições de aguentar um trabalho.A sociedade civil é importante por dois momentos. Se você está falando de Repórter Brasil, a que divulga, a Comissão Pastoral da Terra também divulga estudos. Mas o mais importante é que ela não permite que um gestor se acomode. Por exemplo, Frei Xavier, que era da Comissão Pastoral da Terra, se eu puxar e-mails aqui do Frei Xavier, toda hora ele: “olha, cadê as dez denúncias que eu mandei, porque vocês só fizeram duas, cadê as outras oito?”. Então o tempo todo, o Frei Xavier não permite você se acomodar. Você tem alguém que te demandou e alguém que tá cobrando resultado. Num diálogo muito bom e educado, mas tá cobrando resultado. Então a sociedade civil acaba sendo fundamental pro gestor não se acomodar.

Você tem a informação de como as marcas de moda são punidas?

 

Quando se caracteriza o trabalho análogo de escravo, de uma multa para a Zara, por exemplo, uma M.Officer, sei lá, essas empresas todas aí, essas grandes marcas. A ideia é que você coloque na conta delas o pagamento das rescisões. Em regra, caracterizou trabalho escravo, afasta o trabalhador daquele ambiente, negocia com o trabalhador o pagamento das verbas, lavra os autos de infração - que é um documento que nós temos que indica o empregador qual irregularidade que ele está cometendo, ou quais. Então, se eu estou falando de não deu a acomodação, vai ter isso escrito. “Oh, o senhor permitiu que os trabalhadores ficassem embaixo de lona”. Isso é uma realidade. “Ah, não disponibilizou água potável”, escreve isso no documento que chama auto de infração e entrega isso. “Ah, não tinha instalação sanitária”. Escreve isso e entrega. Então a gente escreve tanto os autos quanto a irregularidades. E quanto todas as irregularidades,

 

nem todas são graves a ponto de se caracterizar trabalho análogo a de escravo. Digamos que tenha uma irregularidade que seja sanável, ela não impõe ao estado uma ruptura naquela relação, uma intervenção drástica. Então aconteceu, né? É um tipo de situação que a gente pode manter o trabalho aquele vínculo e resolver. “Olha, o senhor está atrasando o pagamento, tá pagando no 5° dia útil. Por favor, pague no 5°”. “O senhor disponibilizou aqui o copo descartável e não utilizou um copo de vidro, não é permitido copo de vidro, tem que ser descartável por questão de higiene. Mas isso não é trabalho análogo de escravo. Eu não estou caracterizando o senhor por usar copo de vidro, mas o senhor mude”. Ou seja, sentou governo, empregado e empregador e decidiram que não teria que ser copo de vidro, mas sim descartável. Então isso tudo faz parte de um conjunto. E aí a gente vai emitir a 

 

guia de seguro desemprego e permitir que o empregado receba um salário mínimo por mês, durante três meses. Então esses são os procedimentos decorrentes da caracterização. E ao final, o nome da empregadora poderia entrar, ou não no cadastro, e o Ministério Público Federal por prática análoga a de escravo, artigo 149 do Código Penal e outros que permitem também essa veiculação. O Ministério Público do Trabalho cuja ação pode reafirmar o termo de ajustamento de conduta, que é um instrumento que perante o qual promete não fazer mais aquelas irregularidades, mas vai ser arbitrada a multa, o dano moral coletivo e depois pra entrar com ação civil pública. São essas as condições pra que eles assinem.​

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