Leonardo Sakamoto
Jornalista e Cientista Político conta sobre as formas de exploração na indústria da moda
09/07/15

Foto: Reprodução/Google
Sakamoto. Sim, esse é o nome do super profissional que realiza o trabalho - juntamente com uma equipe - de divulgação sobre o trabalho análogo à de escravo, Quem ainda não ouviu falar sobre a ONG Repórter Brasil, sugiro visitar o site e conferir os projetos que essa turma realiza. Inclusive Sakamoto é o presidente dessa organização.
Ele tirou um tempinho pra falar conosco e você está mais que convidado a compreender sobre o outro lado da indústria da moda que a ONG faz questão de mostrar.
Qual é a especificidade do trabalho escravo na indústria da moda? É diferente do trabalho escravo em outras áreas?
Olha, cada forma de exploração ela tem a sua especificidade, cada forma de exploração quando ela encontra um ambiente específico ela acaba se manifestando de determinada forma. O trabalho escravo rural no Brasil ele tem suas características, o trabalho escravo urbano tem as suas características. É claro que existe um padrão em todos eles, em todos eles você encontra os mesmos elementos de aviltamento e negação da dignidade. Muitas vezes, a negação da dignidade pode não ser a condição necessária da ocorrência do trabalho escravo. Todos tem a negação da liberdade também, apesar da negação da liberdade não ser condição necessária para você exercer a ocorrência de trabalho escravo. O que é negado no trabalho escravo é a condição da dignidade da condição humana e não necessariamente a liberdade como um elemento da dignidade. No caso do trabalho escravo urbano, no trabalho escravo de confecções, no Brasil, você tem a ocorrência desse crime maior no estado de São Paulo.
Não que não tenha acontecido em outros estados, por exemplo, no Nordeste, até porque você tem polos de confecção no Nordeste, no Sul, no Sudeste. Mas, agora, o maior número de ocorrência está no estado de São Paulo, principalmente na cidade de São Paulo, e envolve imigrantes latino-americanos que acabam vindo pra cá para um vida melhor. Principalmente de bolivianos, paraguaios e peruanos acabam envolvidas nessa rede de trabalho escravo. Muitas vezes os contratadores utilizam do medo, da deportação, da expulsão do país como um dos elementos para manter a pessoa presa no serviço e o trabalho escravo na moda. Ele (o trabalho escravo) está tanto nas oficinas de costura como envolvido também com grandes marcas.
Por que o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho tem responsabilizado não apenas o dono da oficina de costura, mas quando há uma encomenda, quando um grande varejista tem uma marca própria de roupa, quando esse varejista encomenda para um confecção ou para uma oficina de costura, essas peças, e você tem a ocorrência desses trabalho escravo nessas oficinas de costura, o Ministério do
Trabalho eEmprego e o Ministério Público do Trabalho consideram essa oficina de costura, essa marca, esse varejista, como responsável por aquilo que foi identificado. Então por isso que você tem tantas marcas identificadas com trabalho escravo. Tivemos ao longo dos anos Zara, tivemos Marisa, tivemos Pernambucanas, 775, Collins, Gregory, tivemos Emme, Renner, tivemos uma série de outras marcas que foram envolvidas com o trabalho escravo. Agora não é porque nas lojas tinham trabalho escravo ou nos centros de distribuição, mas porque considera-se que houve terceirização ilegal da atividade fim, para qual a empresa foi constituída e de acordo com a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, você não pode terceirizar a atividade fim -apesar da empresa que continua responsável pelos trabalhadores terceirizar sua principal atividade. Então esses trabalhadores foram considerados também como responsabilidade dessas grandes marcas, não apenas das oficinas de costura. Então a identificação do trabalho escravo na moda ela tem essas características, principalmente, a ocorrência de imigrantes. Ela é urbana e acaba fornecendo também pra grandes marcas.
O trabalho escravo na indústria da moda sai das mazelas que se tinha conhecimento há décadas atrás, para configurar-se em jornada exaustiva, servidão por dívida e outros modos. Por que você acredita que esta forma de serviço ainda é tão utilizada?
Qualquer forma encontrada para obter economia de recursos, de lucro, qualquer forma que está à disposição ela vai ser utilizada. Na verdade, isso é interessante, que você tem trabalho escravo na cadeia da confecção desde a primeira revolução industrial, lá atrás, na Inglaterra. Determinado setor econômico, como da confecção e da alimentação, eles acabam sendo pressionados por demais setores para produzir, pra fazer produto barato, porque o restante da economia depende desses setores. Se você aumenta o valor da alimentação, do vestuário, você aumenta o custo de vida, você pressiona os salários dos demais setores, das demais atividades econômicas com o trabalhador que precisa comer e se vestir de qualquer jeito. Então é claro que ela é sempre pressionada pelo resto da sociedade pra produzir mais e barato. Então você tem esse processo natural, que é uma questão econômica geral. Agora, tem várias outras questões, várias outras explicações por que isso acontece. Você tem uma alta competitividade, dentro e fora do país, tem tambémdentro da moda, especialmente,
Muitas vezes os contratadores utilizam do medo, da deportação, da expulsão do país como um dos elementos para manter a pessoa presa no serviço
a questão de você produzir de uma forma rápida ecom uma logística muito poderosa pra ser entregue a roupa produzida pouco tempo depois dela ser desenhada na prancheta de alguém e você consumir e mudar e ter uma nova moda um tempo depois e ir alterando. É claro que isso me impressiona bastante, os trabalhadores que são obrigados a colocar em marcha por um valor baixo e uma remuneração baixa de todo esse processo. Então são pressionados a trabalhar muito, de uma forma rápida e gerando lucro e, o interessante, é que esse processo de ganhos em cima da superexploração do trabalho, no caso do vestuário, é uma coisa que é possível você reverter, tem formas que garantem isso. O interessante é que boa parte da remuneração vai para o pessoal de criação, do marketing dessas marcas, pra você vender a marca, pra difundir a marca internacionalmente e nacionalmente, do que pra quem produz propriamente dito a roupa da marca. A divisão dessas atividades, de que uma empresa investe dinheiro numa empresa de moda, você vai ver é muito desigual. Para o trabalhador é muito pouco, pra publicidade, marketing e criação é muito. Então, infelizmente, uma divisão do trabalho transcende na questão de ser da moda, que infelizmente, quem produz historicamente é quem fica com a divisão.
O Brasil completou este ano 20 anos de combate ao trabalho análogo. Você acredita que o governo está se empenhando, de fato, para os índices de trabalhadores escravizados diminuir? E como avalia os projetos, ações e programas empenhados pelos órgãos públicos?
Olha, o combate ao trabalho escravo ele tem sido uma política de estado desde o governo Fernando Henrique, passando pelo governo Lula até chegar ao governo Dilma. Então você tem tido ações de dois Planos Nacionais para Erradicação do Trabalho Escravo, planos que foram criados com esse objetivo sendo implantados. A política de combate ao trabalho escravo, no Brasil, tem tido relativo sucesso, até que o Brasil é considerado como referência internacional pelas Nações Unidas. Agora ainda falta bastante. A gente avançou muito na repressão, na fiscalização e na libertação dos trabalhadores, na conscientização. A gente conseguiu avançar na questão da responsabilização econômica, mas precisa avançar ainda mais e profundamente na responsabilização econômica e na responsabilização criminal e principalmente na geração de alternativas pra prevenir o trabalho escravo, pra evitar esse trabalhador de ser obrigado a imigrar em busca de uma melhor condição de vida. Ou seja, a gente conseguiu avançar, mas a gente precisa avançar ainda mais.
As oficinas de costura são alinhadas a produção de moda, sem elas provavelmente muitos dos produtos não seriam comercializados. Por que esse tipo de exploração no setor têxtil ganhou repercussão na mídia?
Varia porque você precisa analisar caso a caso. O fato do discurso de liberdade sobre a questão do trabalho escravo é uma questão que sempre sensibilizou jornalistas, desde a primeira abolição lá atrás, em maio de 1888, teve grandes abolicionistas que eram jornalistas. A questão da liberdade, da dignidade sempre foi uma bandeira, na verdade, dos jornalistas em várias partes do mundo. Agora, no Brasi,l a mídia tem sido alimentada. Você tem resgates de trabalhadores, isso vira matéria, tem participação da impressa que divulga e isso leva mais interesse da imprensa em também cobrir o tema. Por que o trabalho escravo não é um tema que só choca jornalista, ele choca as pessoas, o cidadão, ele choca todo mundo. As pessoas olham para aquilo e, “meu Deus, aquilo existe? É um horror”. Então atrai a atenção da mídia, dos consumidores de
informação, os cidadãos. Então eles querem ler sobre isso e a mídia acaba cobrindo. Agora a mídia no Brasil não tem sido de uma maneira geral, apesar de que eu acho que veículos ou matérias que não entenderam muito bem o que é trabalho escravo ou acabaram defendendo um ponto de vista que, na minha opinião, ela é bastante questionável porque defende a manutenção dos elementos que estão na composição do trabalho escravo, o contexto. Mas a mídia tem sido bastante favorável, por conta do apoio dos jornalistas. Tem jornalista que individualmente se especializaram ou tornaram como objetivo de vida a cobertura disso em veículos grandes, de veículos alternativos e também porque além da participação do jornalista, dele querer atuar, como falei, é uma questão importante de liberdade e dignidade, uma coisa que atrai o jornalista. Ao mesmo tempo é uma questão de atrair a atenção do leitor, então eu acho que essas duas coisas estão na gênese do interesse que a imprensa trata do trabalho escravo.