Sérgio Aoki
Auditor Fiscal do Trabalho já esteve a frente de diversas fiscalizações nas oficinas de costura
16/07/15

Foto: Reprodução/Google
Auditor-Fiscal do Trabalho desde 2010, na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, Sérgio Aoki está á frente das operações em São Paulo. Além de já ter participado do Grupo de Fiscalização Móvel, Aoki sabe como ninguém o funcionamento das oficinas de costura, em que são autuadas por trabalho escravo.
Por sua experiência ele nos conta informações valiosas que não podem passar despercebidas.
Como as denúncias chegam até o Ministério do Trabalho e Emprego de São Paulo?
Chegam por vários caminhos: do próprio trabalhador, do Ministério Público do Trabalho, organizações não governamentais (Pastoral, Cami, etc), outros Órgãos do Poder Público, entre outros.
Após receber denúncia, qual é o procedimento?
A denúncia é analisada e caso seja identificado os elementos que configurem redução de trabalhador à condição análoga à de escravo, é realizado um trabalho de pré-fiscalização, que consiste em obter mais dados referentes à futura operação, além do contato com outros Órgãos que irão compor o trabalho. Costumam integrar a equipe o Ministério Público do Trabalho (defesa dos interesses difusos), Defensoria Pública da União (defesa dos direitos individuais), Polícia (neste primeiro momento para fazer o trabalho de segurança da equipe), Órgãos do Executivo Municipal, aqui da Prefeitura de São Paulo (assistência social, abrigo, abertura de contas bancárias, etc), organizações não governamentais (também para auxílio assistencial dos trabalhadores), entre outros.
Os flagrantes de exploração nas oficinas de costura costumam ocorrer mais em quais estados / regiões? Como avalia essa estatística?
Os flagrantes costumam ocorrer na região metropolitana de São Paulo. Acredito que ocorra por estar próximo ao mercado consumidor (grande varejo e o mercado de atacado dos bairros do Brás e do Bom Retiro), uma questão de logística do próprio mercado da moda, também conhecido como fast fashion, em que as coleções precisam ser produzidas e estar nas prateleiras das lojas de uma forma muito dinâmica.
Os senhores possuem a informação sobre como os trabalhadores são aliciados ou como conhecem as ofertas de emprego nas oficinas de costura no Brasil?
O aliciamento ocorre por meio de agências de emprego na Bolívia, parentes, amigos, conhecidos. Os trabalhadores são atraídos para o Brasil em virtude da extrema pobreza do local de origem destes trabalhadores e a expectativa de prosperidade nos grandes centros urbanos no Brasil.
Como as marcas de moda contratam as oficinas de costura?
Aqui podemos identificar 2 tipos de cadeia de produção: uma cadeia mais longa, com tomador “varejista”, intermediário “confeccionista” e oficina de costura e uma cadeia menor com tomador e oficina de costura. Há também casos em que a própria oficina de costura ou pessoas ligadas a ela realizam o comércio. Neste último caso é muito comum encontrarmos roupas falsificadas e marcas de pequena expressão, comercializados em boxes de galerias e feiras populares (feirinha da madrugada é um exemplo). No caso da cadeia mais longa, o grande varejo (aqui é onde se encaixam as grandes marcas da moda) se beneficiam por intermédio de uma empresa que reproduz os modelos de roupas idealizados pelo tomador e que são repassados para a oficina de costura realizar a costura. No caso da cadeia tomador e oficina de costura, o tomador geralmente é um atacadista da região do Brás e do Bom Retiro, e que produz roupas em larga escala para venda no atacado e por vezes, no varejo.
Quando a autuação chega até as marcas de moda responsáveis pelas condições inapropriadas de trabalho, como elas costumam agir? Como as punições são definidas? O que geralmente acontece com os trabalhadores nesses casos? Conseguem ser ressarcidos?
As reações são as mais diversas. A grande maioria tenta a desvinculação de sua responsabilidade. Podem ser assinados Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta ou mesmo podem ser interpostos pelo Ministério Público do Trabalho as Ações Civis Públicas e pela Defensoria Pública as ações individuais dos trabalhadores. A fiscalização, identificada a situação de redução de trabalhadores a condição análoga à de escravo realiza, o procedimento da Instrução Normativa nº 91/2011 (ver especialmente artigo 13 e 14). Há uma outra equipe que pode auxiliar os trabalhadores na emissão de documentos, abrigo, alimentação, abertura de conta em banco, etc (aqui seria o trabalho da assistência social do Município e entidades não governamentais). Em geral os trabalhadores recebem a quitação do seu contrato de trabalho, valor arbitrado a título de dano moral individual, pagamento de passagens caso queira retornar ao local de origem, entre outros.
Os flagrantes costumam ocorrer na região metropolitana de São Paulo. Acredito que ocorra por estar próximo ao mercado consumidor (grande varejo e o mercado de atacado dos bairros do Brás e do Bom Retiro)
Há casos em que trabalhadores libertados voltam a prestar trabalho escravo novamente?
Sim, já foram identificados alguns casos no setor de Construção Civil aqui no Estado de São Paulo. Em outras regiões do Brasil não saberia dizer. Na Zona Rural não é incomum. No setor têxtil ainda não houve caso de reincidência, mas acredito que também possa ocorrer.
Vocês têm algum conhecimento de algum esforço de empresas de moda do setor privado em combater / condenar / denunciar publicamente essa prática?
As empresas da moda não reconhecem a responsabilidade jurídica pelos trabalhadores de sua cadeia de produção. Essa seria a questão fundamental e que poderia resolver de forma estrutural as relações de trabalho na cadeia de produção do setor têxtil.
As empresas da moda, no entanto, têm realizado ações que visam apenas atenuar o problema, com a contratação de equipes de auditoria e com o financiamento de algumas ações assistencialistas.